quinta-feira, 27 de novembro de 2014

Falsos Profetas


Norbert Lieth

Desde a queda no pecado existem brigas, ódio, assassinatos, homicídios, inveja, falsidade e engano. O autor do livro de Eclesiastes escreveu com razão: “...nada há que seja novo debaixo do sol” (Ec 1.9).

Já na época de Jeremias havia profetas pouco sóbrios, irrealistas e falsos, que desencaminhavam o povo com profecias enganosas. Mesmo quando as nuvens da tempestade do juízo se ajuntavam mais densas do que nunca sobre Jerusalém, eles acalmavam o povo. Suas declarações eram muito positivas e soavam edificantes, até mesmo encorajadoras aos ouvidos das pessoas. Eles prometiam muito, inclusive a vitória.

Em comparação, os ouvintes recebiam as mensagens de Jeremias como destrutivas, austeras e deprimentes, e só percebiam nelas a perspectiva do juízo. Tratava-se da justiça de Deus e da injustiça do povo, da sua falta de arrependimento e conversão. Como Jeremias deve ter se sentido diante deles?

O falso profeta Hananias apresentava uma “mensagem maravilhosa” e tinha a ousadia, e até mesmo a insolência, de proclamá-la abertamente: “No mesmo ano, no princípio do reinado de Zedequias, rei de Judá, isto é, no ano quarto, no quinto mês, Hananias, filho de Azur e profeta de Gibeão, me falou na Casa do Senhor, na presença dos sacerdotes e de todo o povo, dizendo: Assim fala o Senhor dos Exércitos, o Deus de Israel, dizendo: Quebrei o jugo do rei da Babilônia. Dentro de dois anos, eu tornarei a trazer a este lugar todos os utensílios da Casa do Senhor, que daqui tomou Nabucodonosor, rei da Babilônia, levando-os para a Babilônia. Também a Jeconias, filho de Jeoaquim, rei de Judá, e a todos os exilados de Judá, que entraram na Babilônia, eu tornarei a trazer a este lugar, diz o Senhor; porque quebrei o jugo do rei da Babilônia” (Jr 28.1-4). 

A isso Jeremias respondeu: “Disse, pois, Jeremias, o profeta: Amém! Assim faça o Senhor; confirme o Senhor as tuas palavras, com que profetizaste, e torne ele a trazer da Babilônia a este lugar os utensílios da Casa do Senhor e todos os exilados. (...) O profeta que profetizar paz, só ao cumprir-se a sua palavra, será conhecido como profeta, de fato, enviado do Senhor” (vv. 6,9). 

Hananias não ficou nem um pouco impressionado, mas fez o seguinte:“Então, o profeta Hananias tomou os canzis do pescoço de Jeremias, o profeta, e os quebrou; e falou na presença de todo o povo: Assim diz o Senhor: Deste modo, dentro de dois anos, quebrarei o jugo de Nabucodonosor, rei da Babilônia, de sobre o pescoço de todas as nações. E Jeremias, o profeta, se foi, tomando o seu caminho” (vv. 10-11). 

Para Jeremias a única opção era o afastamento. Mas o Senhor orientou-o para que voltasse até Hananias e lhe dissesse, entre outras coisas: “...O Senhor não te enviou, mas tu fizeste que este povo confiasse em mentiras. Pelo que assim diz o Senhor: Eis que te lançarei de sobre a face da terra; morrerás este ano, porque pregaste rebeldia contra o Senhor. Morreu, pois, o profeta Hananias, no mesmo ano...” (vv. 15-17). Todas as profecias mentirosas de Hananias foram soterradas pela areia da fantasia, pois Jerusalém foi definitivamente conquistada e todos os utensílios foram retirados do templo.

Em uma carta, Jeremias teve de escrever o seguinte aos líderes de Israel e a todo o povo que Nabucodonosor tinha levado para a Babilônia:“Porque assim diz o Senhor dos Exércitos, o Deus de Israel: Não vos enganem os vossos profetas que estão no meio de vós, nem os vossos adivinhos, nem deis ouvidos aos vossos sonhadores, que sempre sonham segundo o vosso desejo; porque falsamente vos profetizam eles em meu nome; eu não os enviei, diz o Senhor” (Jr 29.8-9). 

É interessante a proximidade significativa entre as falsas profecias e a adivinhação.

A situação hoje não é muito diferente: profecias bíblicas estão para se cumprir. A princípio as perspectivas não são boas, pois as nuvens da tribulação que se aproxima estão cada vez mais densas. 

Estamos cercados por más notícias. Indo de encontro a isso, prega-se em muitos lugares um evangelho puramente “positivo”, que ignora esses fatos e é recebido com atenção crescente:

– Avivamentos e curas são prometidos em larga escala. E embora, depois das reuniões, os doentes sejam tirados dos palcos ainda nas mesmas cadeiras de rodas nas quais chegaram, quase ninguém nota isso. O importante é o show!

– Faz-se do pecado algo inofensivo e fortalece-se a fé em si mesmo.

– A mensagem de exortação do Evangelho não é mencionada, e em vez disso espalha-se um evangelho do “sentir-se bem”.

Menciono alguns paralelos:

As advertências dos apóstolos são claras em relação aos últimos tempos, e não podemos negar que elas sejam cada vez mais pertinentes aos nossos dias:

Porque os tais são falsos apóstolos, obreiros fraudulentos, transformando-se em apóstolos de Cristo” (2 Co 11.13).

Assim como, no meio do povo, surgiram falsos profetas, assim também haverá entre vós falsos mestres, os quais introduzirão, dissimuladamente, heresias destruidoras...” (2 Pe 2.1).

Amados, não deis crédito a qualquer espírito; antes, provai os espíritos se procedem de Deus, porque muitos falsos profetas têm saído pelo mundo fora” (1 Jo 4.1).

Porque esses tais não servem a Cristo, nosso Senhor, e sim a seu próprio ventre; e, com suaves palavras e lisonjas, enganam o coração dos incautos” (Rm 16.18).

Mas não devemos apontar para os outros sem olhar para nós mesmos, antes queremos aceitar essas exortações para nossa própria vida.

É claro que o Senhor pode falar de forma muito pessoal conosco por meio de uma palavra qualquer; provavelmente todo cristão pode testemunhar que isso acontece, alegrando-se com esse fato. Ainda assim não podemos aplicar os versículos bíblicos de forma aleatória e tola à nossa própria situação. 

Um exemplo: há algum tempo precisei ir com urgência à cidade de Hannover para conduzir um funeral. A previsão do tempo era a pior possível, havia alerta de tempestade, fortes nevascas, as ruas estavam escorregadias e os vôos estavam muito atrasados ou eram até cancelados. 

Alguns irmãos na fé aconselharam-me a não voar de jeito nenhum; seria muito melhor se eu viajasse com o trem noturno. Quanto mais eu prestava atenção aos amigos e ao meu próprio amedrontamento, mais inseguro ficava. 

Naquela noite tivemos uma reunião de oração. Alguns minutos antes do início abri minha Bíblia na esperança de, talvez, encontrar uma resposta ali. Meu olhar caiu sobre Lamentações 1.1-2:“...Tornou-se como viúva... Chora e chora de noite, e as suas lágrimas lhe correm pelas faces; não tem quem a console...” Lembrei da minha esposa – e fiquei ainda mais inseguro. 

Será que eu deveria viajar de avião? Conversei com ela em casa e ela disse que, em sua opinião, eu deveria voar despreocupadamente, pois voltaria são e salvo para casa. E, graças a Deus, foi o que aconteceu.

Essa insegurança pode surgir quando arrancamos as passagens de seu contexto. É preciso estar atento para que tudo aquilo que ensinamos, pregamos ou aprendemos em nossa “hora silenciosa” corresponda ao fundamento bíblico e não seja arrancado de seu contexto. 

A Palavra de Deus não pode ser simplesmente moldada a fim de confirmar nossa opinião pré-concebida. Infelizmente, algumas traduções, versões ou comentários da Bíblia não raro são adaptadas a certas tradições. 

Tenta-se manter e endurecer opiniões tradicionais próprias por meio de versículos bíblicos. Mas assim a Bíblia é rebaixada a objeto e nós mesmos nos elevamos à condição de sujeitos. 

Basta lembrar da questão do sábado, da observação das festas e feriados judaicos, da ingestão de alimentos, do batismo e de outros temas semelhantes. 

Não importa se parece positivo ou negativo: se não corresponder ao ensino geral da Escritura Sagrada, não vale nada. Mesmo o diabo tentou fazer com que Jesus caísse usando versículos da Palavra de Deus arrancados de seu contexto (Mt 4.3ss). E, como ele fazia e ainda continua fazendo isso, tudo o que ele diz é mentira, mesmo se referindo à Palavra de Deus.

As maiores heresias, opiniões equivocadas e seitas surgiram pela interpretação errada da Palavra de Deus.

Mais um exemplo de como não se deve agir: um filho de Deus querido e devotado às vezes sofre com pensamentos depressivos. Durante uma dessas fases ele teve dúvidas acerca da certeza de sua salvação. 

Ele conta que pensou várias vezes nos versículos de Hebreus 12.16-17, que dizem: “nem haja algum impuro ou profano, como foi Esaú, o qual, por um repasto, vendeu o seu direito de primogenitura. Pois sabeis também que, posteriormente, querendo herdar a bênção, foi rejeitado, pois não achou lugar de arrependimento, embora, com lágrimas, o tivesse buscado”. 

Mas no caso de Esaú não se tratava de um filho de Deus que tinha pecado, mostrado contrição e, ainda assim, se perdido. Não: Esaú era antes de mais nada um ímpio, que vivia dessa forma e tinha desprezado conscientemente o seu direito à primogenitura. 

Esaú estava muito próximo da promessa destinada a ele, mas a rejeitou com desprezo, não a considerou e nem tomou posse dela. Mais tarde ele também quis herdar uma bênção, mas não era a bênção de Deus. 

As lágrimas de Esaú não foram derramadas em contrição. Ao contrário, ele tentou obter a bênção por meio de lágrimas – sem arrependimento. O caso de Judas foi parecido, pois ele sentiu remorso, mas não se arrependeu (Mt 27.3-5, veja também 2 Co 7.10).

Em outro trecho, a Bíblia diz a respeito de Esaú: “Como está escrito: Amei Jacó, porém me aborreci de Esaú” (Rm 9.13). Isso significa que não havia nada em Esaú que o Senhor pudesse ter amado: nenhuma sinceridade, nem um pingo de integridade ou de busca pelo favor do Senhor, bem ao contrário de Jacó, que no auge do sofrimento de sua alma orou:“...Não te deixarei ir se me não abençoares” (Gn 32.26). É assim que a ira de Deus se manifestou contra Esaú e permanece sobre qualquer pessoa que rejeita a fé em Jesus (cf Jo 3.36).

Portanto, a questão não é se um nascido de novo pode se perder, mas que uma pessoa que não nasceu de novo, que vive sem Deus, que está perto da redenção (como Esaú) e tem a promessa, perde a salvação porque, em última instância, rejeita a opção e não a aceita para si. 

Muitos judeus, a quem a Epístola aos Hebreus fora dirigida, só se importavam com as bênçãos, isto é, as vantagens do cristianismo (Hb 10.29), mas não com Jesus. Aquele que permanece indiferente a Jesus Cristo, a indizível dádiva de Deus, comete um erro que não poderá ser perdoado nem na eternidade! (Norbert Lieth - http://www.chamada.com.br)

Fonte: www.chamada.com.br

http://www.chamada.com.br/mensagens/falsos_profetas.html

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

A SALA DO MILAGRE

Você já passou por uma situação em que viu ruírem todos os seus sonhos, sem ter nem como juntar os cacos espatifados pelo chão? Ou já passou por uma dor tão grande como nunca supôs ser capaz de suportar? Já se sentiu desamparado, doente, triste, ficando tão desanimado a ponto de nem querer sair do lugar?

 Passei recentemente (não muito recentemente, pois este texto é antigo) por uma situação que se encaixa nessas frustrações que caem sobre nossa vida sem aviso prévio... Comprei passagens (ida e volta!) para ir a São Paulo, pois tinha planos, sonhos, intenções... tudo engatilhado... Aniversário de um filho; casamento de uma menina amada como filha, gente muitíssimo especial; aniversário de um neto e um encontro com meu pai, que tem 92 anos (tinha...), a quem tenho (tinha...) poucas oportunidades de ver por causa da distância. 

Tenho escrito bastante e então selecionei quase trinta textos, fiz várias cópias; queria deixar com alguns amigos, para que avaliassem, pensando até em publicar, quem sabe... Eu teria também um ministério em Curitiba no começo de setembro...

 Mas... havia um tapetinho de crochê, bonitinho, fofinho... no meio do caminho... Engastalhei naquele tapete o saltinho do sapato, perdi o equilíbrio e bati com força o braço na quina do fogão, que também estava no meio do caminho... Caí e me vi estendida no chão. Olhei para a minha mão largada ali e era como se fosse a de outra pessoa: não a sentia. 

Havia quebrado o braço. Pendi a cabeça, apoiando-a devagar no chão, esperando ser acudida. Havia muitas pessoas na casa: uma festa de aniversário de crianças. Quando pendi a cabeça, pensaram que eu havia desmaiado. Não. Com aquele gesto também penderam os sonhos, os planos: eu vi tudo se espatifar... Resultado: sete semanas de gesso e uma infinidade de fisioterapias depois... porque osso de velhinha é difícil de soldar... Proibido rir de mim!...

 Qual é nossa atitude quando somos frustrados, impedidos, parados pelas circunstâncias? Para quem dirigimos o nosso olhar? Quais palavras usamos? A quem escutamos?

 LEIA LUCAS 8: 40-56

 Este é um texto muito rico. Vemos aqui um grande movimento de pessoas – multidões ao redor de Jesus, apertavam-no, oprimiam-no. A multidão o recebera com alegria: estava à espera dele. Duas pessoas, porém, são destacadas dessa multidão: uma mulher sem nome, cansada de lutar com uma enfermidade, e um homem importante, chefe da sinagoga, que tinha uma filha que estava morrendo. 

Cada um, a seu tempo, olha para Jesus, em seu desespero, e se prostra a Seus pés, sem se importar com a multidão. Jairo, o chefe da Sinagoga, chega primeiro, suplica, e Jesus segue com ele. Mas as multidões O apertam; parece que aumentou o número de pessoas. E Ele é interrompido em Seu trajeto pela mulher, que em seu desespero fura aquela parede humana, crendo que, se apenas tocar em Suas vestes, será curada. Ela toca nEle e tudo pára! 

A multidão pára, Jairo pára! Jesus pára para saber quem O tocara. Houve cura, libertação! Jesus sente que saiu poder dEle por causa de um simples toque. A fé era muito grande. E ela se apresenta, já liberta, e se prostra, sem se importar com a multidão. Ali está o Senhor Jesus; e ela já não pode se ocultar. Dá-se a conhecer, expondo-se. E ouve de Jesus: “Filha, a tua fé te salvou; vai-te em paz”.

Quando Jesus despedia em paz aquela mulher, chega alguém e diz a Jairo: “Tua filha já está morta! Não incomodes mais o Mestre”. Ah! Portadores de notícias! Nosso mundo está cheio deles. Mas Jesus está ali ao lado de Jairo e lhe diz: - “Não temas, crê somente, e ela será salva”.

A multidão ali na casa chorava e pranteava. E quando Jesus diz que a menina não está morta, todos riem. A mesma multidão que chora, ri. Multidão incrédula. Jesus então entra na casa de Jairo, mas não permite que ninguém entre com Ele, a não ser Pedro, Tiago e João e os pais da menina. A multidão incrédula fica do lado de fora. Somente cinco pessoas são convidadas a estar ali na Sala do Milagre.

 Somente os que podem crer são chamados a essa intimidade. Ele só chamou, só permitiu entrar os que podiam crer, para diante deles realizar o milagre.

 Para encontrar Jesus e obter o milagre que procuro, preciso sair da multidão (mesmo estando no meio dela) e olhar para Ele tão-somente. E ali naquele lugar de encontro estarmos Ele e eu, e não me importar com a multidão...

 Diante de tudo isso que acabamos de considerar, diante dessas duas manifestações do poder de Jesus, temos algumas coisas a considerar, algumas perguntas a fazer:

 1) Para onde dirigir o meu olhar, o seu olhar, na hora da dor, do desespero, do vazio? Para Ele? Qual é a nossa atitude no meio das multidões que oprimem, que nos impedem? Temos a coragem de fazer tudo parar só por um toque nEle? Somos capazes de nos expor?

 2) Que palavras usamos diante de circunstâncias contrárias? Palavras de maldição? De desânimo? De falsas promessas? De mentira? Ou de encorajamento, de alento, de esperança? Que tipo de portadores de notícias somos?

 3) A quem escutamos em nosso desespero? A uma multidão que desencoraja? Ou a Jesus que diz a despeito de qualquer circunstância: - “Não temas, crê somente e... haverá salvação?”
4) Que atitude tomamos? A mesma multidão que chora e se descabela, ri, zombando, incrédula. Como fica o nosso coração diante de situações impossíveis?

 5) Você seria também chamado à Sala do Milagre se estivesse ali?

 Faça essas perguntas a si mesmo (a) agora, sendo bem sincero (a) ao responder.

 Jesus quer levá-lo (a) à Sala do Milagre, quer estar com você ali, quer trazer vida ao que está morto, quer curar o que está ferido, quer restaurar o que está danificado pelo pecado.

 Que possamos ser chamados por Ele à Sala do Milagre, sempre!

Fonte: Beatriz Gotardelo Fraga Moreira – via facebook

A Autora foi minha contemporânea na mocidade em Juiz de Fora, ela na Igreja Presbiteriana e eu na Igreja Metodista.

domingo, 2 de novembro de 2014

Sola Scriptura

 Repórter – O doutor poderia resumir em poucas palavras o conteúdo básico da revolução religiosa que está acontecendo na Europa desde 1517?

Lutero – Preciso apenas de uma ou duas linhas para resumir tudo: “sola scriptura”, “sola gratia” e “sola fide”. Essas expressões latinas são os nossos três “somentes”: só as Escrituras, só a graça e só a fé.

Repórter – Foi o doutor quem inventou esses três “somentes”?

Lutero – Eu não inventei. Eles já existiam. Mas estavam lamentavelmente cobertos de poeira grossa e teias de aranha, arremessados à sujeira e pisoteados. Pela graça de Deus, redescobrimos o valor das Escrituras, o valor da graça e o valor da fé, tiramos a poeira, lustramos essas riquezas e as trouxemos à luz do dia. Agora que está tudo limpo e brilhando de novo, cada um pode ver como é o evangelho de Jesus.

Repórter – O que o doutor quer dizer com o “sola scriptura”?

Lutero – Quero dizer que somente a Escritura — e não a Escritura somada à tradição da Igreja — são a fonte de revelação cristã. A Bíblia deve ser a primeira e a última palavra para qualquer declaração de fé.

Repórter – Então o doutor se coloca em oposição à rica tradição da Igreja.

Lutero – Não é bem assim. Eu coloco a Escritura acima da tradição, e não o contrário.

Repórter – Nunca em pé de igualdade?

Lutero – Também não. Pois a Escritura não pode ser equiparada à tradição. São Paulo diz que “toda Escritura é inspirada por Deus” (2 Tm 3.16). Não se pode dizer o mesmo com respeito à tradição.

Repórter – Em que lugar o doutor coloca os pronunciamentos papais?

Lutero – Sempre abaixo da autoridade da Bíblia. Esta deve governar como Palavra de Deus na Igreja e não pode ser embaraçada pelo magistério papal nem rivalizada por supostas revelações adicionais.1

Repórter – Mas há coisas que a Escritura não explica.

Lutero – Na “Exposição de Romanos”, de João Calvino, o reformador francês radicado em Genebra, 26 anos mais novo do que eu, afirma acertadamente que não devemos “procurar saber nada mais senão o que a Escritura nos ensina”. Ele diz também que “onde o Senhor fecha seus próprios lábios, devemos impedir que nossa mente avance sequer um passo a mais”.

Repórter – Já que o doutor mencionou o nome de Calvino, pergunto se vocês estão de acordo quanto ao “sola scriptura”.

Lutero – Apesar de nossas divergências de ênfase e de estilo, eu, Calvino e Ulrico Zwínglio, o reformador suíço, nascido um ano depois de mim, estamos de pleno acordo quanto à centralidade da Palavra de Deus e quanto à certeza de que a Escritura é a fonte para se pensar em Deus.2

Repórter – A Escritura está ao alcance do povo?

Lutero – De 1457, dezessete anos depois da invenção da impressão com tipos móveis, a 1517, ano das “Noventa e Cinco Teses”, foram publicadas mais de 400 edições da Bíblia. Não estou incluindo nessa estatística o Novo Testamento de Erasmo e a Bíblia em alemão por mim traduzida.

Repórter – O preço de cada exemplar da Escritura deve ser proibitivo.

Lutero – No passado, as Bíblias em latim custavam 360 florins. As mais elaboradas, chegavam a custar 500 tálares. Mas o Novo Testamento que traduzi logo após a Dieta de Worms, é vendido a um florim e meio!

Repórter – Qual a relação entre o “sola scriptura” e o “sola gratia”?

Lutero – O primeiro “somente” nos leva ao segundo “somente”. Isto é, na leitura da Escritura redescobrimos que a vida eterna é o dom gratuito de Deus, como São Paulo ensina na Epístola aos Romanos (6.23). A Escritura, e nada mais, é o instrumento pelo qual o Espírito nos conduz à graça. A Igreja há muito tempo deixou o “sola gratia” no esquecimento e começou a tornar a salvação mais difícil, distante, incerta, meritória e burocrática.

Repórter – Mais lucrativa também?

Lutero – Não posso negar esse fato, frente ao problema do comércio das indulgências, quando o perdão de pecados e a remissão da culpa são vendidos de cidade em cidade muito mais em benefício do Estado papal do que das almas.

Repórter – O que o doutor quer dizer com o “sola gratia”?

Lutero – Entendo e prego que o pecador é justificado somente pelo amor, pela misericórdia e pela graça de Deus, e nada mais. O “sola gratia” tanto me abaixa até o pó como me ergue até às estrelas. Primeiro me humilha, depois me honra; humilha-me quando me informa e me convence de que não tenho nada para oferecer em troca da salvação; honra-me quando me informa e me convence de que em Cristo fui salvo (isto é justificação), estou sendo salvo (isto é santificação) e serei salvo (isto é glorificação). A graça de Deus me livra da culpa, do poder e da presença do pecado.

Repórter – Mas isso é formidável!

Lutero – De fato. Todavia, como reza o “sola scriptura”, “olho nenhum viu, ouvido nenhum ouviu, mente nenhuma imaginou o que Deus preparou para aqueles que o amam” (1 Co 2.9). Deus ainda tem muito mais para nos oferecer e mostrar.


-- Trecho retirado do livro Conversas com Lutero, p. 222-224, de Elben M. Lenz César.


Notas:
1. STANLEY, J. Grenz et al. “Dicionário de teologia”; mais de 300 conceitos teológicos definidos de forma clara e concisa. São Paulo: Vida, 2000. p. 125.
2. EDITORA MACKENZIE. “O pensamento de João Calvino”. São Paulo: Mackenzie, 2000. p.16.


Nem clero, nem leigo

No decorrer da Idade Média, a igreja cristã na Europa organizou-se em paróquias. Esta estrutura perdurou por mais de um milênio com igrejas edificadas no centro de vilas e cidades e com a vida de sua população gravitando em torno delas. 


Este modelo de igreja não foi modificado pela Reforma do século 16. Assim o encontramos, tanto na Rússia ortodoxa, na Itália católica, na Inglaterra anglicana, na Suíça presbiteriana como na Alemanha luterana. Ele alicerçava-se na divisão entre clero e leigos. As diferentes confissões não alterariam o fato básico de que em todas elas o clero “produz espiritualidade” e leigos a “consomem” (MALM, Magnus, Vägvisare, 2a ed, 1991,26s.). Isto prestigiava os “reverendos” e era normal eles serem convidados como “autoridades religiosas” para solenidades.



Entrementes, porém, este cenário mudou. As igrejas ainda continuam nas praças centrais, mas já não desempenham o papel de outrora. Quanto maior a cidade, mais adiantada a sua marginalização. Os shoppings e outros espaços de lazer e consumo tomaram o seu lugar. Os pastores e padres, quando muito, são “reverendos” para as suas congregações. O pluralismo cultural e religioso faz com que uma infinidade mensagens concorra com seus sermões dominicais. 



Nesta progressiva corrosão do modelo paroquial, pastores e padres se veem cada vez mais expostos a uma “opressão da performance” (EGG, Tuco, Igreja entre aspas, 2011, p.42): diante do encolhimento do público nas celebrações, eles são cobrados para fazer a igreja navegar de vento em popa como outrora. E isto gera desencanto, estresse e frustração.



Será que a Reforma iniciada com Martinho Lutero nos pode ensinar algo neste ambiente acuado?



Os reformadores viviam em outro tempo e enfrentaram outras dificuldades. Por isso as propostas deles não respondem necessariamente a nossas perguntas e angústias. Mesmo assim, vale a pena sondar se o seu horizonte não se comunica em algum ponto com o nosso. Podemos ousar fazê-lo, porque o Deus trino continua o mesmo. Por dependermos do mesmo evangelho da graça de Jesus Cristo, podemos e devemos procurar aprender das suas testemunhas no passado.



Lutero é muito elogiado pelo que ensinou acerca do sacerdócio geral dos crentes. Mas isto praticamente ficou sem efeito por permanecer na sombra da pesada herança paroquial. Na prática, também as igrejas evangélicas continuaram divididas em duas classes de cristãos – clero e leigos – e, por isso, esqueceram o que o reformador alemão concluíra do evangelho.



Agora, porém, que o modelo paroquial vai-se esvaindo, redescobrimos que, ao insistir o sacerdócio de todos os crentes, Lutero, na verdade, questionou a legitimidade da segmentação da igreja em clero e leigos:



“Se perguntas qual seria, então, a diferença entre os sacerdotes e os leigos na cristandade, se todos são sacerdotes, a resposta é: cometeu-se uma injustiça com as palavras “sacerdote”, “cura”, “religioso” e outras semelhantes, quando o povo em geral foi delas excluído, para serem atribuídas a um pequeno grupo (...) A Sagrada Escritura não conhece nenhuma outra distinção do que aquela de nomear os instruídos e ordenados como (...) servidores, servos e administradores, cuja missão consiste em pregar à demais pessoas Cristo, a fé e a liberdade cristã.” (LUTERO: Da Liberdade Cristã, 5a ed., 1998, p.25s.)


O motivo de Lutero considerar esta divisão entre leigos e clero uma injustiça reside na justificação por graça: quem foi resgatado do pecado pela morte e ressurreição de Jesus participa do reinado e do sacerdócio dele. Jesus foi elevado à direita de Deus e se tornou Senhor de “céus e terra” (Mt 28.18s.; Fp 2.9ss.). Por seu sacrifício, ele – como o verdadeiro sacerdote – intercede (cf. Hb 8-9) por nós diante do Pai e nos ensina o seu amor gracioso. Portanto, quem crer nele participa deste seu senhorio e sacerdócio. Ninguém jamais poderá privá-lo do amor de Deus (Rm 8.28ss.). Todo crente tem acesso direto ao trono da graça e, por isso, pode interceder por seus irmãos e ensiná-los. Assim Jesus, o único mediador (1 Tm 2.5), capacita e envia todos os seus seguidores para que levem o evangelho mundo afora. 


Nesta participação do senhorio e do sacerdócio de Jesus reside a liberdade cristã. Mesmo sem modificar a estrutura paroquial, Lutero não deixou margem para dúvidas: a missão de “pregar a demais pessoas Cristo, a fé e a liberdade cristã” é dever de cada cristão.



“Pois num caso destes um cristão enxerga em amor fraternal a necessidade das pobres almas em perigo, e não espera que (...) bispos lhe deem ordem ou cartas. Porque a necessidade rompe todas as leis e não tem lei.” (LUTERO: Pelo Evangelho de Cristo, 1994, p. 198).


Assim entendo que podemos aprender do Reformador que somos chamados a vivenciar nosso sacerdócio em nossa sociedade secularizada e pluralista. Nesta caminhada é importante observarmos:


1. Para aprender a testemunhar a fé na sociedade pós-cristã precisamos abrir espaço para compartilhar dificuldades e experiências. Nossos cultos e reuniões precisam tornar-se um lugar de ensino mútuo. Não o aprenderemos com quem não convive no mundo secularizado. Assim encorajados e confiantes no Espírito Santo, ousemos falar do evangelho em nossas casas, no trabalho e onde quer que convivamos com “pobres almas em perigo”.



2. Quando uma igreja começa a exercitar o sacerdócio geral, também o papel do pastor muda. Ele passa a fazer retaguarda aos que estão na vanguarda, à semelhança do que fez a Dra. Zilda Arns na Pastoral da Criança. Em vez de monopolizar, como pediatra que era, o tratamento de crianças doentes, ela priorizou capacitar agentes de saúde e, assim, reverteu o quadro de mortalidade infantil no Brasil.



3. Por fim, precisamos lembrar que luteranos e reformados não são os únicos herdeiros da Reforma. Há outros exercitando-se neste “sacerdócio”, como se pode depreender das palavras de Eliezer Morais, pastor da Assembleia de Deus, num debate na Rádio Gaúcha em Porto Alegre no dia 02 de julho de 2012:

“Proclamamos o que herdamos da Reforma: a salvação somente pela graça, fé e Escrituras. Não clericalizamos a liturgia, trabalhamos com simplicidade, envolvidos com a realidade do povo brasileiro e fazemos com que os fiéis leiam a Bíblia” .



• Martin Weingaertner, nascido em Santa Catarina (1949), é diretor da Faculdade de Teo-logia Evangélica em Curitiba (FATEV) e editor do devocionário “Orando em Família”. Seu casamento com Ursula foi abençoado com 5 filhos e 8 netos.


A Reforma Protestante em quatro doutrinas

Aos 31 de outubro de 1517, Matinho Lutero afixou as 95 teses na porta da Catedral de Wittenberg, dando início ao movimento que viria a ser conhecido como Reforma Protestante, donde se originaram, direta ou indiretamente, as chamadas igrejas evangélicas. O interesse pela Reforma não é o de um antiquário, mas sim o de verificar a identidade, o significado e a relevância da mesma para nossos dias, com o propósito de receber inspiração da fé ali vivenciada. O que Karl Marx teria percebido para declarar algo como “Lutero venceu a servidão pela devoção, porque ele substituiu a última pela convicção. Ele quebrou a fé na autoridade, por que restaurou a autoridade da fé”?

As teses de Lutero representam um marco para a recuperação da sã doutrina. Elas registram o início da teologia que produziu a reforma na igreja. Embora ainda fizessem referência a resíduos do romanismo tais como: o purgatório, o papado, os santos e Maria como mãe de Deus, sem contestá-los a princípio, percebemos, já nesse momento, as formulações embrionárias das doutrinas que vão caracterizar a identidade protestante.

De fato, Lutero não elaborou novas doutrinas, mas, numa volta à Bíblia como fonte de conhecimento teológico e espiritual, elucidou a mensagem consignada nas Escrituras que se encontrava soterrada sob os escombros da tradição medieval. Podemos resumir a mensagem da Reforma a alguns postulados:

1. A autoridade das Escrituras – Sutilmente, durante o período medieval, as tradições tornaram-se o fator fundamental para determinar os conteúdos da fé e da moral. Um monte de entulho asfixiou a mensagem bíblica. A Reforma resgatou e restabeleceu a Escritura como fonte suprema e final quanto ao conhecimento de Deus e da sua vontade, para o indivíduo e para a igreja.

2. Justificação pela graça mediante a fé – Contestando a compreensão romanista de salvação por mérito pelas obras, que tinha como símbolo distintivo a venda de indulgências (compra do perdão) a Reforma resgatou o ensino bíblico de que a salvação (perdão, aceitação diante de Deus e santificação) é concedida gratuitamente por Deus àqueles que confiam em Jesus como seu salvador. A salvação não pode ser comprada, mas procede da misericórdia de Deus para com o pecador que se volta para a cruz de Jesus.

3. A centralidade de Cristo – A igreja romana enalteceu o papa como cabeça da igreja e representante terreno da esfera celestial. Também Maria e os santos eram mediadores e intercessores junto a Deus. A reforma acentua que Cristo é o único mediador entre Deus e os homens. Só ele tem poder para efetivamente perdoar pecados. A sua obra na cruz é suficiente e exclusiva para a nossa salvação. É Ele que intercede junto a Deus, como advogado, por aqueles que Nele confiam.

4. Sacerdócio de todos os crentes – Contrastando com o ensino de que somente a hierarquia da igreja (o clero) constitui o sacerdócio autorizado para representar a Deus diante dos homens e vice-versa, a Reforma ensina o sacerdócio universal, isto é, que todos podem comparecer diante de Deus, estudar a sua palavra e ser agentes a seu serviço. A Reforma, conquanto reconheça vocações eclesiais específicas, afirma que todo o povo de Deus é igreja, uma igreja onde todos são chamados a servir a Deus.

Com essas e outras afirmações, os reformadores conseguiram minimizar o distanciamento da igreja medieval do modelo observado no Novo Testamento. Conquanto a obra da reforma não tenha sido completa – e os descendentes espirituais da reforma compreendam que a igreja reformada está constantemente se avaliando à luz do padrão bíblico – a Reforma continua sendo um marco para uma genuína identidade evangélica, em meio ao conturbado contexto religioso contemporâneo.

Essas doutrinas provocaram uma enorme transformação social porque, na verdade, foram a plataforma para a libertação pessoal diante de Deus.


• Christian Gillis é pastor na Igreja Batista da Redenção, membro do Conselho Gestor da Aliança Evangélica e coordenador em Minas Gerais da Fraternidade Teológica Latino-Americana/ Setor Brasil. Twitter: @prgillis